Foi numa manhã. A rua estava molhada, depois de uma forte chuva. Eu andava sem pressa, com as mãos no bolso. Pensava nos momentos agradáveis e desagradáveis que a vida me proporcionou. Não demorou muito para eu chegar à esquina daquela solitária rua fria. A livraria que vende livros usados estava lá como sempre. O velho vendedor estava lá como sempre. O velho vendedor estava arrumando algumas bagunças. Sua camisa amarrotada e molhada de suor completava o homem cansado, calvo, de poucos cabelos, barba grisalha, que ele mostrava. Peguei um livro, folheei. Ele disse para eu ficar à vontade. Daí resolvi perguntar:
- O senhor tem algum livro do Charles Bukowski por aqui?
Olhou para mim e sorriu, dizendo:
- Charles Bukowski, o “velho safado”, como muitos costumam chama-lo! Que é considerado o último escritor maldito da literatura Norte-Americana!
Fiquei surpreso por saber que ele conhecia meu escritor favorito.
- O senhor o conhece mesmo?
- Rapaz, o velho Buk – disse ele com o seu sorriso de orelha a orelha, parecendo relembrar seus bons tempos. – Deixe-me ver se encontro algum livro desse mestre por aqui.
Saiu. Só o vi se perdendo no meio de pilhas e mais pilhas de livros antigos. Passaram dois minutos antes que ele voltasse.
- Está aqui. Ainda está em boas condições.
Colocou em minhas mãos. Consegui ler o título depois que passei e são para tirar a poeira que cobria sua capa.
- Não acredito! – exclamei eufórico. – Este é o “Misto Quente”! Procurei por muitos lugares! Muito obrigado!
- Não precisa. Já é uma honra saber que ainda existem pessoas com bom gosto como você. Não são muitos que procuram esse magnífico escritor por aqui, rapaz. Não precisa me pagar.
- Que máximo!
Fomos até a calçada em frente à livraria. Ninguém pelas ruas além de nós. Lembro que eu estava muito feliz. Lembro também do mais surpreendente. Quando apertei sua mão, numa forma de gratidão, das costas do velho saiu um par de asas douradas resplandecentes e lindas, fazendo rasgar sua camisa. Eu dei um pulo para trás, surpreso com aquilo. Suas asas bateram contra o ar, tirando seus pés calçados em uns sapatos desbotados fora do chão sujo, fazendo-o flutuar. Fiquei sem acreditar no que vi, mas logo era contrariado por vê-lo realmente fora do chão, na minha frente.
- Sonhe, sonhe e sonhe. Nunca deixe de sonhar, pois só quem sonha é que pode realizar seus desejos, garoto. Dizem que somos loucos, mas só nós é que sabemos como a vida funciona através de batalhas e batalhas para conseguir o que queremos. Eu sonhei e hoje sou assim. E tenho dó daqueles que não sonham.
Depois que disse isso, ele voou, voou e voou até se perder na imensidão do céu cinzento. Nunca mais vi aquele velho outra vez, mas também nunca mais esqueci o que ele me disse.
Matheus Queirozo